Sobre o apego - post "emprestado"

por: Naíme Silva

Sou um animal sentimental
Me apego facilmente ao que desperta meu desejo
(Renato Russo)

"Quando Abá nasceu, apesar de toda a minha formação em Psicologia há 18 anos, senti-me perdida. Meu coração pedia uma “selvageria” , um grude, um apego, uma emergência que de longe eu sabia que estava escrito no DNA materno. Eu queria encaixar o que diziam as pessoas, aquilo que elas pregavam como certo, no que ditava meu coração:

• bebês não podem ficar na teta o tempo todo, acostumam mal;
• bebês não podem dormir com os pais, depois não sairão da sua cama;
• bebês não podem ficar no colo, senão ficam manhosos;
• enquanto ele dorme, você aproveita para dormir (e longe do bebê, claro!);
• se ele chorar muito é porque seu leite não o está sustentando, precisa de dar leite de vaca que é bem mais forte;
• afinal, quando você vai dar uma chupeta para esse menino?

E, esses dias mesmo, uma grande amiga, psicóloga também, me disse: “Esse menino já está grande demais pra dormir no seu colo, ele não é mais bebê, coloque-o no berço!”

Tá bom, vamos assumir de uma vez por todas: a cada dia que passa deixamos de lado nossa porção humana! Como é possível que as pessoas pensem ser um absurdo uma mãe que deixa seu filho dormir todas as tardes no seu colo, mas não achariam nenhum absurdo que ela passasse toda a tarde navegando na internet enquanto seu filho dorme no berço?

Voltando ao nascimento de Abá, me senti tão desorientada, tão aflita e tão confusa e comecei buscar referências e demorou mas achei: a primeira referência e conforto para as minhas aflições encontrei no mamíferas… poxa, eu era mamífera e não tinha me dado conta! Depois encontrei a rede AMS (Aleitamento Materno Solidário), o coletivo feminista de sexualidade e saúde! A verdade é que encontrei uma mulherada porreta que já vinha há um bom tempo refletindo estas questões.

Retomei Winnicott, retomei John Bowlby e René Spitz, conheci a Simone de Carvalho e Grasielly Mariano, encontrei-me com Laura Gutman e o Dr. Gonzalez, fiz amizade com a Renata Penna e Dra. Andreia Mortensen. Ufa, ALÍVIO, há gente, há teoria, há argumentação para as minhas atitudes e sentimentos. Estamos numa época em que o que é humano e natural tem de ser justificado, arguido, fundamentado. Porque perdemos no caminho a nossa essência e o que é natural e humano passou a ser estranho, alternativo.

Explico: vejo uma grande contradição em nossa cultura ocidental, nós colocamos limites precoces aos nossos bebês, como dormir em berços desde o nascimento, não pegar muito no colo, calar a boca com chupetas e encher o bucho com mamadeiras, exigir que durmam a noite toda e depor contra o apego inicial e necessário. Quando depois eles crescem, os xingamos de “mal-educados”, que só comem lixo, que são birrentos e desobedientes e não enxergamos que nossas crianças são na verdade fruto de nosso abandono físico e emocional. E mais: quando os filhos estão adultos, com uma atitude de adolescência tardia ou sem o menor vínculo com mãe e pai, tocando suas próprias vidas e família, ouvimos as reclamações maternas:

• faz uns meses que minha filha sequer dá-me um telefonema, anda muito ocupada;

• ele chega em casa e não fala comigo, tranca-se no quarto e passa a madrugada na internet, nem parece mais que mora nessa casa;

• aqui não sentam à mesa para comer conosco, sinto que não tenho mais filhos;

• não sabemos mais o que é passar o Natal com os filhos.

Ora essa, querem o apego numa ordem invertida? Não ouviram seus corações, não desenvolveram apego na infância com seus filhos e filhas e desejam vínculo mais tarde?

A independência, a autonomia, o respeito à diferença e a convivência saudável em sociedade só são possíveis quando, na mais tenra infância, as crianças podem ter a presença, o apego e acesso aos corpos da mamãe e do papai. Isso lhes dará segurança, confiança, apoio e liberdade para crescerem e suportarem as adversidades, os conflitos humanos, as dificuldades na vida em sociedade e mesmo a vinculação parental, a gratidão pela dedicação dos anos da infância de mãe e pai. Quem dera fosse apenas eu que afirmasse tudo isso, mas nas referências acima vocês poderão encontrar um vasto terreno teórico em psicanálise, na neurociência, e testemunhos de pessoas que defendem uma sociedade mais humana e mais justa em contraste com esta que temos.

Pra você mulher, que no fundo de sua alma sente que é mamífera, sente seus hormônios pulsarem na relação com seu bebê, deixe esses comentários desumanos fora do seu coração, faça ouvidos moucos, abrace sua cria, cheire, lamba, durma com ela sem culpas, amamente em livre demanda e faça um desmame natural. Deixe que seu desenvolvimento flua naturalmente, respeitando cada etapa. Deixe seu bebê dar o tom da autonomia e respeite isso. Não force o seu desenvolvimento e seja feliz em sua maternagem. Permita-se mamífera!"

Retirado de:
Blog Mamíferas

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